sábado, novembro 26, 2011

domingo, abril 10, 2011

“Le Pen não mete medo a ninguém”

Ibraim Silá, 27 anos, filho de senegaleses, estudou contabilidade mas é taxista. Cresceu em Paris “com a impressão de ser um peso para a França” e considera que Marine Le Pen “tem que perceber que vai precisar sempre dos imigrantes”.

[Para a agência Lusa]

O jovem ao volante de um táxi preto, luxuoso e perfumado, “mas o mesmo preço do que os outros”, conta à agência Lusa que chegou aqui “depois de ter decidido tomar o seu destino em mãos”, porque “em França a discriminação é um facto”.

Estudou contabilidade mas “as origens” dificultaram-lhe o caminho para “alcançar um estatuto, chegar a um determinado nível, conseguir um emprego na área”.

“É simples. Se um se chama Pierre e o outro Ibrahim escolhe-se o branco”, ilustrou.

Discorda de todas as ideias do partido da extrema-direita francesa, a Frente Nacional (FN), que tem vindo a subir nas intenções de voto dos franceses.

“Crescemos todos com a imagem de que eles não gostam dos imigrantes, querem que saiamos, pensam que somos um peso para a França, um peso para a União Europeia. Temos a impressão de que somos diferentes deles, afirmou.

“Acho triste que neste mundo existam ainda pessoas com este género de pensamentos. É lamentável que em 2011 ainda exista toda esta discriminação, que possamos ainda falar de racismo, que possamos ainda falar de cor”, argumenta.

A resposta a isto, diz, “é trabalhar, é conseguir”. Não se considera “um exemplo típico” porque é motorista de táxi mas diz ter orgulho naquilo que alcançou. “Trabalho em França, ganho o meu dinheiro em França, pago os meus impostos em França”, diz. Ibraim trabalha 11 horas por dia, sete dias por semana. Ganha entre mil e 1500 euros por mês.

Considera que a líder da FN, Marine Le Pen, “tem que perceber que a França precisou – e vai precisar sempre – dos seus imigrantes”: “Sentir a humilhação a que [os discursos da FN] nos submetem magoa”, diz.

Ainda assim, e apesar da crescente popularidade da líder, cujas sondagens mostram cada vez mais próxima de passar à segunda volta das eleições presidenciais de 2012, Ibraim lembra que “o caminho da integração se fez pouco a pouco” e garante que Marine Le Pen “não mete medo a ninguém”.

sábado, abril 09, 2011

Manuel Domingues serve "specialités portugaises" aos Le Pen quase todos os dias

Manuel Domingues é há 22 anos proprietário do restaurante Chez Tonton, que fica na rua da sede da Frente Nacional, em Nanterre, Paris, e põe “specialités portugaises” na mesa dos Le Pen “quase todos os dias”.

[Para a agência Lusa]

Rue des Suisses, Nanterre. A meio da longa reta. A Chez Tonton tem uma fachada pequena, com linhas direitas, duas janelas grandes e um toldo vermelho. Lá dentro cheira, ao final da tarde, a vinho e a cigarros. Joga-se às cartas. Ouve-se televisão em português.

Aqui “quase todos os clientes – ou pelo menos 95 por cento dos clientes – são apoiantes da Frente Nacional (FN) [partido da extrema-direita francesa]”, disse à agência Lusa o homem que vai dar corpo a esta história.

Manuel Domingues é natural de Arcos de Valdevez e está em França há 35 anos. É militante da FN, “admirador e amigo” de Jean-Marie Le Pen, líder histórico do partido, e de Marine Le Pen, filha do líder, eleita presidente da FN em janeiro deste ano. “Fiz muitos militantes. Clientes que vieram aqui, que me pediram. Já filiei mais de 200 ou 300 pessoas. Portugueses, franceses, espanhóis”, contou para dizer logo a seguir que “a casa não é muito grande, mas é cheia de riqueza e de carinho para toda a gente, é uma maneira de reagir”.

Sobre imigração, bandeira forte do partido em que milita, o português esclarece que também ele, imigrante, se opõe aos “lambões que não querem trabalhar”.

“Acho que a FN pensa muito bem dos imigrantes. Todos os que trabalham merecem respeito mas aqueles que não trabalham, que só querem viver da assistência social, já começam a cheirar mal. É pô-los a trabalhar, ou então que vão lá para as Áfricas ou para as vidas deles”, defendeu. É por isso que a FN conta com o seu voto e com a sua militância. O resto é coração.

Depois das escadas exíguas e íngremes que levam ao primeiro andar do restaurante português há uma sala “unicamente reservada para a amizade com Jean-Marie Le Pen, com Marine Le Pen, e com todos os que os acompanhem”.

Ao centro há uma mesa corrida, posta, pronta. Pelas paredes há “souvenirs” de episódios da história do partido que se cruzaram com a vida de Manuel Domingues: uma fotografia com o histórico dirigente da FN, autografada por ele; um poster com o retrato “da menina Marine, pendurado em frente ao lugar onde ela se senta”; e outras imagens de outros líderes do partido.

Manuel Domingues tem muitas mais fotografias nas mãos. Nesta mesa sentam-se pessoas muito simples, que não fazem pedidos especiais, que não têm complicações nenhumas na comida nem na bebida”, que “comem o que há”. Pai e filha. “Se eu tenho comida portuguesa comem comida portuguesa todos os dias”, conta. E conta também que às vezes é sopa, às vezes moelas, às vezes feijoada.

Para Manuel Domingues, o partido ficará bem sob a liderança da herdeira e França terá muita sorte se ela for eleita Presidente da República: “Porque é uma mulher de respeito, uma mulher aberta, uma mulher que não tem maldade nenhuma, e uma mulher que sabe aquilo que diz, e quando ela diz qualquer coisa é realmente verdade”. França terá sorte em tê-la como Presidente também porque “esta é uma mulher simples”. Na véspera, “jantou nesta sala bife com salada e moelas”.

sábado, março 19, 2011

A cantiga, “uma arma de pontaria”

A história do Partido Comunista Português na música, e da música que durante 90 anos foi cantando o partido e os seus ideais, não é linear, não é consensual, mas é uma história que pode ser trauteada.

E antes da história, uma ressalva, que é contexto: “Não é possível isolar enquanto expressão cultural a música de um conjunto de expressões mais variado e muito vasto, onde a influência do partido, desde o cinema até à literatura, nalguns aspetos terá até sido superior”, lembra o militante comunista Ruben de Carvalho.

A música, por depender mais, “quer do domínio do capital, quer do domínio da indústria, e dos meios de comunicação, era mais controlada pelo fascismo”.

Posto isto “no cenário de 90 anos que modificaram completamente a música”, partimos dos anos de 1920, quando Portugal já ouvia cantar a Internacional comunista. Neste primeiro período de vida do partido, fundado em 1921, “o universo sonoro dos militantes é o popular, por um lado, e a canção revolucionária, por outro”, que chegava primeiro de França, depois da Espanha.

E popular aqui é o fado, que, lembra o investigador João Madeira, do Instituto de História Contemporânea, “corresponde, até ao final dos anos 1930, a um fado musicalmente pobre, com letras ajustadas à propaganda”: “Este fado é o fado da propaganda republicana, é o fado dos anarquistas, um veículo de política através da cultura”, diz.

E é o mesmo fado que o regime de Salazar, pelas mãos dos modernistas como António Ferro, apropria para dar som ao fascismo: “Os modernistas têm uma perceção muito clara da capacidade mobilizadora que esta expressão de música popular urbana pode ter e utilizam-na”, explica Ruben de Carvalho.

“Nos anos de 1940 entramos num novo período. O partido é objeto da sua reorganização no princípio da década, e uma das frentes onde atua largamente é a frente cultural”, acrescenta.

Aqui, destaca, é fundamental o papel de Fernando Lopes Graça: “Sendo um militante comunista, é um homem que se empenha politicamente e que tem o desejo de fazer da música um fator de intervenção na atividade política; é um homem musicalmente muito influenciado pelas escolas europeias, um defensor da música tradicional e rural, de composição anónima, transmissão oral; e utiliza a música como elemento de intervenção em termos corais”.

Até aos anos de 1960 “a influência do partido nas associações de estudantes torna-se determinante”. A contestação ao regime agudiza-se, a sociedade é outra, lembra João Madeira: “Dão-se nesta época grandes transformações na sociedade, as universidades recebem muitos estudantes, o tradicional fado de Coimbra transforma-se numa nova canção, musicalmente mais rica, onde o fator de intervenção é muito forte”.

É tempo dos acordes de Zeca Afonso, de Luís Cília, de José Mário Branco, de Adriano Correia de Oliveira. E é, acrescenta Ruben de Carvalho, “o tempo do Zip Zip, onde a canção de intervenção ganha um estatuto e uma capacidade de amplificação que ela nunca tinha tido, e o tempo do festival da Eurovisão”.

E depois, vai a década de 1970 quase a meio, é tempo de revolução, “que começa com música, como em mais nenhuma parte do mundo”. “Grândola, vila morena”, canta o Zeca. “E depois do adeus”, canta Paulo de Carvalho.

Aqui, é claro, “não há nenhuma influência direta do partido”. Há apenas “a cantiga, arma de pontaria”, que o Grupo de Ação Cultural há-de de cantar pelo país durante o ano quente de 1975.

O comunista a quem a PIDE deu um presente

[Texto escrito a propósito dos 90 anos do PCP]

Aurélio Santos foi preso pela polícia política em 1953, no dia em que fazia 23 anos. Um “presente do regime salazarista”, que lhe abriu as portas do partido que havia ser o seu o resto da sua vida.

A história do rapaz de 23 anos que a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) prendeu em 1953 chega a 2011 com um homem de 80 anos a sorrir e a citar Pablo Neruda: “Confesso que vivi. E vivi muito porque participei nesta contribuição para que o mundo se alterasse e a vida se alterasse no meu país”, diz.

Aurélio Santos é militante do Partido Comunista Português (PCP) desde 1957. Ocupou diversos cargos de direção, foi membro do comité central durante quase quarenta anos. O partido faz tanto parte da sua existência como ele mesmo.

A história deste encontro é simples: No início da década de 1950 era ativista e dirigente do Movimento de Unidade Democrática (MUD) Juvenil. Foi preso. Até aí, nunca tinha tido qualquer contacto com o PCP.

“Quando acabou o meu isolamento enviaram-me para uma cela em que estavam alguns dos comunistas que eu mais estimo, como o Carlos Costa ou o Francisco Miguel. Foi na prisão que comecei a conhecer os comunistas e a ter contacto com eles. Devo portanto essa oportunidade ao presente de aniversário que a PIDE me deu”, conta.

Inscreveu-se no PCP já depois de ter saído da prisão. Em 1957 passou à clandestinidade. “Continuava a exercer atividade política e com a vigilância que a PIDE tinha sobre o conjunto da situação portuguesa era muito difícil ter essa atividade e não estar em risco de prisão”.

Os pais haviam de chegar quinze dias depois de Moçambique, mas “a passagem à clandestinidade tinha que ser naquele dia, não podia esperar mais”.

Eles “saíram do barco, estavam à minha espera e eu não estava lá”, recorda. Depois o silêncio até abril de 1974. “Não era possível haver um contacto com a família porque isso dava uma série de pistas à polícia”. O pai morreu antes do abraço, a mãe abraçou-o pelos dois, mesmo “sem compreender as necessidades de uma atividade clandestina”.

À distância de décadas, Aurélio Santos diz que a sua história “não foi nada, comparada com aquilo que algumas pessoas sofreram”. Conta “apenas meia dúzia da bofetões”. E sublinha sempre que valeu a pena.

E depois conta abril: “O 25 de abril foi o grande acontecimento da minha vida, além da prisão e dos primeiros contactos com o movimento comunista. Foi para mim uma revelação de um novo mundo, a possibilidade de intervir mais diretamente na criação dessas novas condições para o meu país e para o mundo em geral”, diz.

Recebeu a notícia do golpe dos capitães na manhã de dia 25, era diretor da rádio do partido desde 1962, a Portugal Livre. “Foi quando nos apercebemos de que os acontecimentos estavam a ser transmitidos em direto, sem censura, que tivemos a convicção unânime de que o regime ia cair”.

Sentado na mesma cadeira vermelha do início desta história, Aurélio Santos olha para os jovens que têm hoje a idade que ele tinha quando foi preso, e que ele considera que “podem mais”.

Rejeita o cliché da “geração à rasca” e argumenta: “Há hoje muitos mais jovens em condições de darem uma grande contribuição para o desenvolvimento do país do que nos anos 1950. Cada geração tem a sua forma de intervir, tem a sua mentalidade, e a confiança que é necessário que eles tenham em si próprios também vem da confiança que temos neles”.

quinta-feira, março 17, 2011

No bairro da Jamaica há mais de 800 pessoas à espera três para o tango

O bairro clandestino da Jamaica, no Seixal, é há 20 anos um problema por resolver. Hoje vivem aqui mais de 800 pessoas à espera de três para dançar o tango. É preciso um acordo entre a câmara (CDU), o Governo e o proprietário.

A história de Maria Teresa Vieira, 61 anos, ajuda a contar a história do bairro: “Toda a minha vida foi ocupar casas, para aqui vim há vinte anos. Fui das primeiras a ocupar. Vivo num apartamento na torre maior”. Sete andares de tijolo e cimento à mostra, envoltos numa instalação elétrica precária, rodeados por poças de esgotos.

Como esta torre há mais. Mães e avós como Maria Teresa Viera também. Mãe de quatro filhos, três presos, avó de duas netas menores, a gerir “uma pensão de 70 euros mensais, mais 40 euros que o pai da mais pequena traz todas as semanas”. Na casa desta mulher, e nas outras do bairro, garante, come-se “sempre o mesmo: frango guisado, que tem que dar para o almoço e para o jantar, e sopa, que dá para três dias”. Há ratos em casa.

Os cerca de cinco hectares de terreno foram abandonados pelo proprietário no final dos anos 1980. Os prédios de hoje são os mesmos daquela altura, mas com famílias dentro. O banco executou uma hipoteca, o problema foi vendido em hasta pública à empresa Urbangol. A ocupação ilegal foi feita nos anos 1990.

Depois disso, o bairro tem sido um problema por resolver. O espaço é um retângulo, ao fundo há um muro alto a delimitar. Os esgotos desembocam nas fundações dos prédios e estão no cheiro do bairro todo. No pátio para onde estão viradas as casas há um parque infantil queimado pelo sol e praticamente destruído.

O abastecimento de água e eletricidade é clandestino, ninguém paga contas. Contam-se dezenas de antenas parabólicas entre os tijolos. Na perspetiva da autarquia, a solução do bairro é ”demolir” e “realojar integrando”, e o desejo é que isso aconteça até 2013. A vereadora da câmara para a Ação Social, Corália Loureiro, afirmou, durante uma visita ao bairro, que o espaço “terá uma solução”: “Mas é claro que a solução não pode passar só pela câmara municipal. Assumimos uma parte, a outra parte terá que ser o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IRHU) e o proprietário, que é quem tem aqui a responsabilidade maior”.

A autarca acrescentou que “estão a ser feitos esforços”, que “há um plano de pormenor aprovado para o local”, e que “há uma reunião pedida ao IHRU, que já se mostrou disponível para ajudar a resolver a questão”.

Corália Loureiro disse ainda aos jornalistas que, ao longo dos anos, e na medida do possível, “todas as pessoas” abrangidas por planos de realojamento em vigor foram realojadas. Hoje, defendeu, “falta uma linha de apoio, de financiamento, da parte do Governo para que esta situação, e outras como esta, aqui e no país, possam ser resolvidas”.

Pelo bairro, as vozes que se ouvem são de descontentamento. A população diz que já ouviu “muitas datas” e “muitas promessas”.

Em 2004 a câmara assinou um protocolo com a empresa proprietária dos terrenos em que se previa a demolição das torres e o realojamento dos moradores no ano seguinte. Esperaram. Nada. Em 2009 foi aprovado o plano de pormenor para o local. Esperaram. Nada. A vereadora diz que espera ver a situação resolvida até 2013. Os moradores esperam. Ao menos há televisão por cabo.

segunda-feira, fevereiro 21, 2011

Kadhafi, o tirano gabiru

© Chappatte in “International Herald Tribune”

[Coisa da gaveta. Kadhafi esteve em Lisboa em dezembro de 2007, na Cimeira União Europeia-África. Este texto foi escrito nessa altura. É óbvio por que me veio agora à memória. Os ajustes foram pontuais.]

Chegou com caracóis no cabelo. Os mesmos caracóis que levava, embora talvez com menos estilo e mais rebeldia, quando, em 1969, com 27 anos, mandou da cadeira abaixo o rei. Os mesmos caracóis com que disse depois que não ao comunismo, que não ao capitalismo. Os mesmos com que criou a Jamahiriya, coisa das massas, para depois instaurar o Congresso Nacional do Povo, comités populares e comités revolucionários.

É o senhor da Líbia e, dizem línguas más, um outsider com jeitos de vedeta.

Muammar Al Kadhafi foi, durante pouco mais de uma semana, o senhor da tenda. Dizem as mesmas línguas das linhas acima que, com o que trouxe na bagagem, deixou a Líbia vazia.

Porque é sábio o déspota, e porque Portugal ainda tem memória de como se mima um ditador, Kadhafi deu de si ao povo numa palestra na reitoria da Universidade de Lisboa, depois de trinta minutos de atraso.

A entrada foi igual à saída: o sábio apertadinho em segurança e o povo em apoteose.

O Coronel outsider, em estrangeiro, ou o tirano gabiru, em português, veio espalhar magia com os seus saberes: o que lhe saiu da boca e o que trouxe encadernado no Livro Verde, que editou em setembro de 1976 e trouxe para oferecer.

Vendo a coisa por atacado, é isto: «Os parlamentos foram engolidos, a democracia está deturpada e não se respeita a vontade dos povos». Vendo a coisa mais de perto, o tirano pôs nas letras de capa verde respostas para «o problema da democracia» e para o «problema económico».

Muammar Al Kadhafi diz, do alto da sua roupa colorida, com traços de alta costura, que os políticos nada podem resolver. Acredita, por isso, que é preciso acabar com os parlamentos, desistir das eleições, dar o poder ao povo e deixá-lo defender-se.

A democracia é uma injustiça porque a decisão cai depois dos 50 por cento, e isso pode querer dizer que há 49 por cento de pessoas descontentes. É por isso – e por nenhuma outra razão – que o gabiru que é tirano lidera, sem oposição, um governo totalitário sem sinais de decência.

Pelo mundo tem aconchego. Que é como quem diz que o dinheiro do petróleo não traz democracia, mas amansa o desconforto diplomático do sufoco das liberdades.

«Uns, com a desilusão, batem com a cabeça nas paredes, outros agarram num avião e fazem um atentado. Condenamos estes actos, mas não podemos dizer-lhes para não os fazerem», disse, a propósito dos atentados de 11 de setembro.

Este «político astuto e fazedor de maldades», como lhe chama a BBC, defende que é preciso conversar com os terroristas para perceber as suas motivações. Para o Coronel, os problemas não se resolvem com uma resposta militar ou com um julgamento.

Kadhafi diz ainda que à ONU faltam procedimentos democráticos: «Existem duzentos países na Assembleia-Geral, apenas cinco são membros permanentes do Conselho de Segurança. Isto leva à desilusão e a reacções contrárias. Tirar a riqueza leva a reacções contrárias. Desprezar os outros leva a reacções contrárias», repetiu.

«Atualmente, é uma dúzia de pessoas que decide o futuro do mundo. Uns reagem por palavras, outros usam kamikazes», acrescentou.

De novo a apoteose cá fora e Muammar Al Kadhafi num aperto de segurança. No cabelo, os caracóis do início desta história; nos olhos que se imaginavam por detrás dos óculos escuros, um brilho misto, de quem desconfia da NATO mas mantém um carinho especial pela princesa Diana.

[No dia 15 de fevereiro eclodiu uma revolta popular na Líbia, em protesto contra o regime de Kadhafi. O povo pede o fim do regime. Diz que o peixe morre pela boca.]

sexta-feira, janeiro 07, 2011

Malangatana inédito, erótico e a preto e branco, na Casa da Cerca, Almada

A galeria do pátio da Casa da Cerca, em Almada, acolhe até dia 23 uma série de 15 desenhos do pintor moçambicano Malangatana, falecido na quarta-feira. Desenhos inéditos, eróticos e a preto e branco.


A exposição “Novos Sonhos a Preto a Preto e Branco” inclui também seis pinturas sobre pedra mármore, mostradas apenas duas vezes em Portugal. Para a diretora do Centro de Arte Contemporânea, Ana Isabel Ribeiro, o conjunto das obras expostas “vai ao encontro de uma preocupação que sustenta todo o trabalho de autor, que é uma fusão entre a realidade e a ficção, um trabalho muito marcado pela força de agregação das pessoas.

Nos desenhos, Malangatana visita o quarto do costume mas deixa a cor do lado de fora da porta: “Apesar de revermos erotismo nos traços do pintor, em desenhos que prosseguem a genealogia do seu léxico artístico e visual, a exuberância da cor ao serviço da forma, a que nos habituámos, não está presente”.

Ainda assim, acrescentou, estão lá os “traços lânguidos, de diferentes espessuras e intensidade, a dar corpo aos corpos e às figuras que se adensam e preenchem, quase sempre na totalidade, a folha onde se inscrevem”.

A diretora disse ainda que o erotismo destes traços é um olhar de fora para dentro: “Há algum paradoxo em alinhar estes desenhos pela temática do erotismo, porque ele aqui pode ser triste, abandonado. São corpos e rostos anónimos que convocam todos, na serenidade ou na impaciência dos seus sentimentos e inquietações”, afirmou.

As seis pedras mármore, alentejanas de Estremoz, têm um metro por um metro, e foram pintadas a lápis de cera. “Serão desenho ou não?”, questiona-se a diretora, lembrando que estas fazem parte de um conjunto maior, de 12 pedras, que foram mostradas apenas duas vezes em Portugal.

Esta é também uma exposição que espelha a dimensão de artista plural – Malangatana fez pintura, desenho, aguarela, gravura, cerâmica, tapeçaria, escultura, dança, música, poesia e teatro – e de homem com olhos e consciência na história e na política de Moçambique e do mundo.

Ana Isabel Ribeiro lembra que, “se o seu trabalho inicial não tinha uma relação direta com o homem, mas mais com a paisagem, cedo o artista convocou para as suas telas fábulas, histórias, rituais, contos tradicionais ou mesmo uma ambiência de religiosidade, que traduziam o seu apurado sentido de observação quer das suas origens culturais quer da situação colonial, vincando a crítica política e social”.

O corpo de Malangatana está em câmara ardente no Mosteiro dos Jerónimos, na Sala do Refeitório do Mosteiro, até às 24:00.